terça-feira, 22 de junho de 2010

Especialistas e entidades de classe criticam falta de anestesia nos partos do SUS em SP

Especialistas e entidades de classe criticam falta de anestesia nos partos do SUS em SP

Arthur Guimarães
Do UOL Notícias
Em São Paulo

Especialistas e representantes de entidades de classe criticaram a falta de anestesia em partos nos hospitais estaduais, municipais e filantrópicos que operam pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Como mostrou reportagem publicada ontem no UOL Notícias, um documento produzido pela Secretaria Estadual de Saúde, com base na opinião dos usuários do SUS, aponta que 24% das entrevistadas enfrentaram o trabalho de parto tomando a anestesia (raqui ou peridural) nas costas, 18,6% anestesia local, 14% banho morno e 42,8% remédios.

Desiré Callegari, presidente da Sociedade de Anestesiologia do Estado de São Paulo, acredita que o número (24%) de pacientes que tomaram a anestesia nas costas é baixo, mesmo considerando que uma grande parte dos partos feitos no SUS é realizada sem cirurgia abdominal. “Hoje, todas as mulheres devem ter o direito de não sentir dor, mesmo no parto normal. Se a pessoa toma anestesia para arrancar um dente, não deve ter essa opção na hora de ter um filho? É um consenso médico. E todos sabemos que existe um percentual menor de opção pela anestesia correta no SUS”, diz o especialista, que é membro do conselho estadual e federal de Medicina.

Para ele, são duas as principais causas para o problema. “Primeiro, inclusive por falta de orientação, as grávidas muitas vezes chegam ao hospital já em um estágio avançado para ter o bebê. Com isso, elas não permitem ao anestesista estudar o caso com o critério necessário.” O principal entrave, no entanto, é a falta de estrutura da rede de Saúde, segundo o especialista. “O número de gestantes que passam em uma unidade do SUS diariamente é muito grande. E faltam recursos, faltam unidades, portanto, faltam médicos. Com o volume de pacientes é muito alto, não é possível dar conta de rodar as maternidades e chegar a tempo de indicar a anestesia”, afirma.

Callegari argumenta que, ao contrário do que acontece em algumas outras especialidades, o anestesista precisa ficar sempre acompanhando o paciente. “Não é como dar um remédio e ir para outra sala ver a próxima pessoa. Precisa estar junto e acompanhar o processo. Ou seja, se eu tenho quatro anestesistas num plantão, eles vão atender as primeiras quatro grávidas que chegarem. As demais, infelizmente, vão receber um atendimento que não é ideal”, conta.

Mônica Maria Siaulys, doutora em Anestesia pela Universidade de São Paulo (USP), explica que a opção pela eliminação da dor deve vir, primeiramente, da paciente. “Ela é que vai dizer até que ponto a dor ficou insuportável e merece ser medicada”, explica.

Ela julga como “vergonhoso” o fato de que 42,8% das pacientes entrevistadas na pesquisa tomaram apenas remédios para aliviar a dor (no caso dos partos normais). “Os remédios injetados via endovenosa ou intramuscular atingem a circulação rapidamente, o que pode aumentar a exposição materna e fetal pela medicação”, diz ela, que é chefe de Anestesia do hospital Santa Joana e chefe do serviço de Anestesia Obstétrica da maternidade Pró-Matre.

Como ela indica, tomar remédios e não uma anestesia (raqui ou peridural) deveria ser limitado a um grupo muito pequeno de mulheres, como as que têm problemas de coagulação. “Deveria ser a técnica de exceção e não de rotina. Na rede privada, 95% das mulheres dão a luz com anestesia nas costas. Toda mulher tem o direito de ter um parto sem dor. E hoje as técnicas permitem que as dores no parto normal sejam diminuídas sem nenhum tipo de prejuízo para as contrações”, diz. Abaixo, trecho do relatório da Secretaria Estadual de Saúde.

O professor Antonio Carneiro, professor de Ginecologia e Obstetrícia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), explica que outra modalidade de instrumento de alívio da dor usado na rede SUS em São Paulo – o banho morno, citado por 14% das entrevistadas –, pode ser usado por mães que optem por um método menos invasivo de conter a dor no parto normal. “Mas, na minha análise, não tem indicação do ponto de vista médico. A tendência moderna é fazer a anestesia nas costas em todas as cirurgias. Há, sim, casos em que a anestesia não é indicada. Mas, no geral, a recomendação é que seja aplicada a chamada raquidiana ou peridural”, afirma.

Análises oficiais
O próprio relatório sobre o atendimento no SUS afirma textualmente que "os serviços do SUS, tendo melhorado o acesso e a cobertura, devem prosseguir seu aperfeiçoamento com a revisão dos procedimentos internos aos serviços, na busca de humanização do atendimento, quesito ainda bastante falho nos atendimentos ao parto".

Em nota oficial, a Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo, responsável pelo relatório que diagnosticou o atendimento das gestantes no Estado, afirma que “100% das usuárias que responderam a questão 7, referente aos procedimentos para aliviar a dor durante trabalho de parto, tiveram algum tipo de analgesia para aliviar a dor”.

Segundo o órgão, contrariando a opinião dos especialistas, “a anestesia (raqui ou peridual) nas costas é aplicada apenas em caso de partos cesarianos e em alguns poucos partos normais, quando indicado pelo médico assistente”. A nota oficial ainda explica que, “como a grande maioria dos partos realizados pelo SUS é normal, foram aplicados procedimentos como anestesia local, analgésico e banho morno, massagem ou exercício, não sendo sempre necessária a utilização da anestesia peridural”.

Apesar das constatações dos especialistas ouvidos pelo UOL Notícias, o órgão afirma que “87% das mulheres que responderam a pesquisa avaliaram o atendimento dos profissionais (médicos, enfermeiros e outros) como excelente ou bom”.