quarta-feira, 23 de junho de 2010

Pacientes do SUS esperam até 8 horas por atendimento em SP; demora é relato mais frequente de usuários

Pacientes do SUS esperam até 8 horas por atendimento em SP; demora é relato mais frequente de usuários

Arthur Guimarães
Do UOL Notícias
Em São Paulo

Poucos elogios, muitas críticas e uma reclamação frequente: a demora. As avaliações dos pacientes atendidos em unidades que atendem pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em São Paulo atestam as reclamações que são rotina das pessoas com problemas de saúde que precisam de atendimento. A reportagem do UOL Notícias visitou algumas unidades para um "teste informal", colhendo depoimentos dos usuários.

Por uma manhã e uma tarde, a reportagem rodou a cidade de São Paulo visitando unidades emergenciais e ambulatoriais que servem a população.

A maior parte das reclamações de quem buscou atendimento em um dia frio e chuvoso como ontem (22) era sobre o tempo que tiveram que ficar à espera de atendimento médico. Depois da demora, o que mais foi relatado pelos pacientes ouvidos pela reportagem é a sensação (leiga) de que os clínicos fazem diagnósticos "quase instantâneos", sem análises detalhadas de seus estados de saúde.

Na Santa Casa de Misericórdia de Santo Amaro, na zona sul, o quadro era tumultuado. A sala da ortopedia estava tomada de gente –cerca de 50 pessoas–, mas o ambiente ainda era tranquilo comparado à fila vista na espera no setor de raio-X. Com suspeita de fratura no braço esquerdo, a diarista Manuela Pereira da Silva, 23 anos, já se preparava para enfrentar oito horas até o resultado de seu exame. “É o que o pessoal comenta, vai demorar oito horas”, afirmou.

Do outro lado do prédio, no Pronto-Socorro, Valdira Santos, 36, segurava no colo o filho John Micael, 2. Com um corte, o menino tinha sangue escorrendo pela cabeça e, mesmo assim, continuava esperando pelo atendimento. “Ele caiu na creche e viemos correndo. Mas estamos aqui há quase duas horas. Vamos para uma sala, mandam ir para outra, e continuamos sem saber o que fazer”, disse ela.

Na AMA (Assistência Médica Ambulatorial) Elisa Maria, na zona norte paulistana, a cena da mãe Jéssica da Silva com seu filho no colo chamava a atenção. Atônita, ela andava de um lado para outro, com o pequeno Theo Felipe, 8 meses, totalmente coberto com cobertores para se proteger da friagem. “Ele está há 2 meses com tosse e falta de ar. É a sexta vez que estou vindo aqui nas últimas semanas. E agora já estou esperando há 2 horas para conseguir entrar”, explicou.

Na avaliação dos médicos que o atenderam, ele tem uma virose. “Só dizem isso, que ele tem uma virose”. Ela assume não entender nada de medicina, mas lista os procedimentos que julga estranhos nas avaliações clínicas. “A médica nem encosta nele. Isso tá certo? Só me perguntam umas coisas e mandam voltar pra casa, tomando xarope. Nunca fez uma inalação, nada. E ele não melhora. Já vi colega minha perder o filho assim."

Em Pirituba, na AMA José Soares Hungria, que funciona nos fundos do Hospital Municipal de Pirituba, na zona norte, o cenário de confusão era bem parecido. Na porta da unidade, pelo menos 15 pessoas se amontoavam em pé para conseguir “roubar” um pedacinho do toldo e fugir da garoa fina – sem contar os outros cerca de 40 que já tomavam conta das cadeiras da ala de espera.

A estudante N. P., 16, estava nesse aglomerado, com "cara amarrada". “Acho que estou com infecção urinária. Está doendo muito. Esperei já duas horas para conseguir uma indicação para fazer um exame de urina. Agora vou pegar uma outra fila para fazer o exame e, depois, me falaram que são outras duas horas até sair o resultado. Perdi o dia aqui”, reclamou.

Já no hospital Professor Liberato John Alphonse Di Dio, conhecido como hospital do Grajaú, na zona sul, a fila de pacientes também era grande. Cerca de 60 pessoas esperavam pelo atendimento. Roberta Talita, 19, foi até a unidade para tratar da garganta inflamada. Disse ter levado três horas para ser atendida. Quando entrou na sala do médico, estranhou a rapidez do atendimento. “Ela olhou minha garganta e, em menos de cinco minutos, acabou (a consulta)”, disse ela, que tomou uma injeção contra a inflamação.

Na portaria da unidade, logo atrás vinha Cristina F., 30, assistente de limpeza. Ela disse ter quebrado o pé há menos de uma semana. “Vim para cá, me enfaixaram, deram remédio e me mandaram engessar na UBS (Unidade Básica de Saúde). Na UBS, me mandaram vir para cá. Hoje, outra vez, me mandaram ir para a UBS”, explicou ela, que continuava apenas com faixas enrolando o pé machucado.

terça-feira, 22 de junho de 2010

Especialistas e entidades de classe criticam falta de anestesia nos partos do SUS em SP

Especialistas e entidades de classe criticam falta de anestesia nos partos do SUS em SP

Arthur Guimarães
Do UOL Notícias
Em São Paulo

Especialistas e representantes de entidades de classe criticaram a falta de anestesia em partos nos hospitais estaduais, municipais e filantrópicos que operam pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Como mostrou reportagem publicada ontem no UOL Notícias, um documento produzido pela Secretaria Estadual de Saúde, com base na opinião dos usuários do SUS, aponta que 24% das entrevistadas enfrentaram o trabalho de parto tomando a anestesia (raqui ou peridural) nas costas, 18,6% anestesia local, 14% banho morno e 42,8% remédios.

Desiré Callegari, presidente da Sociedade de Anestesiologia do Estado de São Paulo, acredita que o número (24%) de pacientes que tomaram a anestesia nas costas é baixo, mesmo considerando que uma grande parte dos partos feitos no SUS é realizada sem cirurgia abdominal. “Hoje, todas as mulheres devem ter o direito de não sentir dor, mesmo no parto normal. Se a pessoa toma anestesia para arrancar um dente, não deve ter essa opção na hora de ter um filho? É um consenso médico. E todos sabemos que existe um percentual menor de opção pela anestesia correta no SUS”, diz o especialista, que é membro do conselho estadual e federal de Medicina.

Para ele, são duas as principais causas para o problema. “Primeiro, inclusive por falta de orientação, as grávidas muitas vezes chegam ao hospital já em um estágio avançado para ter o bebê. Com isso, elas não permitem ao anestesista estudar o caso com o critério necessário.” O principal entrave, no entanto, é a falta de estrutura da rede de Saúde, segundo o especialista. “O número de gestantes que passam em uma unidade do SUS diariamente é muito grande. E faltam recursos, faltam unidades, portanto, faltam médicos. Com o volume de pacientes é muito alto, não é possível dar conta de rodar as maternidades e chegar a tempo de indicar a anestesia”, afirma.

Callegari argumenta que, ao contrário do que acontece em algumas outras especialidades, o anestesista precisa ficar sempre acompanhando o paciente. “Não é como dar um remédio e ir para outra sala ver a próxima pessoa. Precisa estar junto e acompanhar o processo. Ou seja, se eu tenho quatro anestesistas num plantão, eles vão atender as primeiras quatro grávidas que chegarem. As demais, infelizmente, vão receber um atendimento que não é ideal”, conta.

Mônica Maria Siaulys, doutora em Anestesia pela Universidade de São Paulo (USP), explica que a opção pela eliminação da dor deve vir, primeiramente, da paciente. “Ela é que vai dizer até que ponto a dor ficou insuportável e merece ser medicada”, explica.

Ela julga como “vergonhoso” o fato de que 42,8% das pacientes entrevistadas na pesquisa tomaram apenas remédios para aliviar a dor (no caso dos partos normais). “Os remédios injetados via endovenosa ou intramuscular atingem a circulação rapidamente, o que pode aumentar a exposição materna e fetal pela medicação”, diz ela, que é chefe de Anestesia do hospital Santa Joana e chefe do serviço de Anestesia Obstétrica da maternidade Pró-Matre.

Como ela indica, tomar remédios e não uma anestesia (raqui ou peridural) deveria ser limitado a um grupo muito pequeno de mulheres, como as que têm problemas de coagulação. “Deveria ser a técnica de exceção e não de rotina. Na rede privada, 95% das mulheres dão a luz com anestesia nas costas. Toda mulher tem o direito de ter um parto sem dor. E hoje as técnicas permitem que as dores no parto normal sejam diminuídas sem nenhum tipo de prejuízo para as contrações”, diz. Abaixo, trecho do relatório da Secretaria Estadual de Saúde.

O professor Antonio Carneiro, professor de Ginecologia e Obstetrícia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), explica que outra modalidade de instrumento de alívio da dor usado na rede SUS em São Paulo – o banho morno, citado por 14% das entrevistadas –, pode ser usado por mães que optem por um método menos invasivo de conter a dor no parto normal. “Mas, na minha análise, não tem indicação do ponto de vista médico. A tendência moderna é fazer a anestesia nas costas em todas as cirurgias. Há, sim, casos em que a anestesia não é indicada. Mas, no geral, a recomendação é que seja aplicada a chamada raquidiana ou peridural”, afirma.

Análises oficiais
O próprio relatório sobre o atendimento no SUS afirma textualmente que "os serviços do SUS, tendo melhorado o acesso e a cobertura, devem prosseguir seu aperfeiçoamento com a revisão dos procedimentos internos aos serviços, na busca de humanização do atendimento, quesito ainda bastante falho nos atendimentos ao parto".

Em nota oficial, a Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo, responsável pelo relatório que diagnosticou o atendimento das gestantes no Estado, afirma que “100% das usuárias que responderam a questão 7, referente aos procedimentos para aliviar a dor durante trabalho de parto, tiveram algum tipo de analgesia para aliviar a dor”.

Segundo o órgão, contrariando a opinião dos especialistas, “a anestesia (raqui ou peridual) nas costas é aplicada apenas em caso de partos cesarianos e em alguns poucos partos normais, quando indicado pelo médico assistente”. A nota oficial ainda explica que, “como a grande maioria dos partos realizados pelo SUS é normal, foram aplicados procedimentos como anestesia local, analgésico e banho morno, massagem ou exercício, não sendo sempre necessária a utilização da anestesia peridural”.

Apesar das constatações dos especialistas ouvidos pelo UOL Notícias, o órgão afirma que “87% das mulheres que responderam a pesquisa avaliaram o atendimento dos profissionais (médicos, enfermeiros e outros) como excelente ou bom”.


segunda-feira, 21 de junho de 2010

Documento "secreto" mostra falhas graves no atendimento do SUS no Estado de SP

Documento "secreto" mostra falhas graves no atendimento do SUS no Estado de SP


Arthur Guimarães
Do UOL Notícias
Em São Paulo

Mantida em sigilo da opinião pública há três meses, uma pesquisa realizada pela Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo com os usuários do Sistema Único de Saúde (SUS) aponta problemas crônicos no atendimento aos pacientes nos hospitais paulistas, carências que fazem a espera por exames chegar a seis meses e obriga as grávidas a enfrentarem o trabalho de parto sem a anestesia normalmente indicada.

Chamado “Pesquisa de Satisfação dos Usuários do SUS-SP”, o relatório obtido com exclusividade pelo UOL Notícias foi produzido com base em 350 mil respostas obtidas após o envio de cartas (veja abaixo) ou em telefonemas aos cidadãos atendidos em 2009 nas mais de 630 unidades que funcionam com recursos do SUS.


Espera por procedimentos chega a seis meses; gestantes não recebem anestesia
Entre os dados tabulados, destacam-se estatísticas alarmantes, como indicam especialistas ouvidos pelo UOL Notícias. Cerca de 30% dos entrevistados afirmaram, por exemplo, que demoraram até seis meses para fazer um procedimento de alta complexidade, como quimioterapia, hemodiálise ou cateterismo. Tais procedimentos, no caso de um paciente com razoável situação financeira, são feitos em instituições particulares imediatamente ou em poucos dias, com possibilidade de agendamento.

Outra conclusão do levantamento aponta que apenas 24% das grávidas que enfrentaram o trabalho de parto pelo SUS receberam anestesia raquidiana ou peridural, procedimentos que aliviam o sofrimento e que são considerados padrão às pacientes. A pesquisa mostra ainda que 14% tiveram seus filhos tomando apenas um “banho morno” para aliviar a dor (o levantamento não especifica o tipo de parto, natural ou cesárea). Veja a seguir a conclusão do relatório, de que há falhas nesse quesito:



Falta de vacina contradiz registros oficiais
A vacinação foi outro destaque negativo marcante na pesquisa. Cerca de 30% dos pais relataram falta de vacinas na unidade, “sempre”. Como alerta o próprio diagnóstico oficial, “esta resposta foi surpreendente, uma vez que no período da pesquisa não há registro de falta ou redução no estoque de vacinas do sistema público”. Ou seja, tudo indica que os funcionários dos hospitais mentiram para o público.

Além disso, como mostram os dados tabulados pelo governo, 18,9% dos pais disseram que seus filhos não tomaram nenhuma vacina ao nascer, indo contra as normas do Programa de Imunização do Estado de São Paulo, que prevê pelo menos a oferta de vacinas contra a tuberculose. Como indica o levantamento, “trata-se de perda de oportunidade e falha no programa, demonstrando necessidade de reorientar e avaliar as maternidades”.

"Quadro é grave"
O UOL Notícias ouviu seis especialistas com experiência em atendimento médico e na análise da gestão pública da saúde para comentar os dados, a que somente tiveram acesso por meio desta reportagem. Todos foram unânimes em afirmar que o quadro é “grave”, apesar de alguns terem pedido para não serem identificados.

Paulo Eduardo Elias, professor de medicina preventiva da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), afirma que os dados apenas confirmam que o sistema de saúde em São Paulo não dá a atenção devida aos pacientes. “Como mostram as informações sobre os procedimentos de parto, fica claro que o governo deixa as pessoas terem dor. É um problema grave. Não se importa muito com isso”, argumenta.

Para Álvaro Escrivão Júnior, professor e especialista em gestão hospitalar da Fundação Getúlio Vargas, a pesquisa revela a falta de recursos para o setor. “Quando se tem um sistema universal, que atende a todos, precisa ter dinheiro para manter o funcionamento do sistema. A pessoa precisa fazer exames imediatamente, não depois de seis meses”, diz.

As falhas observadas pela pesquisa no atendimento do sistema de saúde de São Paulo, no entanto, não chamam tanto a atenção dos acadêmicos quanto a tentativa de esconder o levantamento da opinião pública.

Transparência

A reportagem do UOL Notícias, em ligações telefônicas praticamente semanais, cobra a divulgação do relatório desde o começo de março. Na ocasião, o governo promoveu um evento em que premiou os melhores hospitais do Estado, segundo conclusões tiradas desta mesma pesquisa. No entanto, não divulgou quais seriam os piores estabelecimentos.

No primeiro contato com a Secretaria da Saúde de São Paulo, no dia 4 de março, a reportagem solicitou a íntegra do levantamento. O pedido foi ignorado. Pelo menos cinco recados em nome do UOL Notícias foram deixados a um dos chefes da assessoria de imprensa da secretaria, Vanderlei França. Nunca houve retorno. Além disso, a reportagem tentou conseguir o relatório com pelo menos cinco membros do Conselho Estadual de Saúde, órgão consultivo da secretaria que, em tese, deveria ser informado de tudo o que acontece no sistema de saúde estadual.

Até a sexta-feira (18), todos os conselheiros relataram não ter conseguido acesso aos dados. Tomás Patrício Smith-Howard, representante da Associação Paulista de Medicina, chegou inclusive a protocolar um pedido formal tentando obter as informações. Já esperava havia mais de dois meses. “Temos total interesse em saber o conteúdo da pesquisa, inclusive para conseguirmos analisar o sistema de saúde. Essa é a nossa função”, diz ele, que ficou sabendo do resultado do levantamento via UOL Notícias.

Pouco antes do fechamento desta reportagem, a secretaria incluiu os dados no site oficial do governo, apenas às 20h, sem aviso. Em resposta oficial enviada dias antes ao UOL Notícias e assinada pelo secretário Luiz Roberto Barradas Barata, a própria secretaria afirmava:


Claudio Weber Abramo, presidente da Transparência Brasil, classificou a situação como “trágica”. Segundo ele, é um “absurdo” uma pesquisa financiada com dinheiro público não ser divulgada. “É típico de São Paulo. Os recursos neste Estado são incompatíveis com a obscuridade do governo.”