segunda-feira, 30 de março de 2009

Lei Maria da Penha rende mais de 150 mil processos no país no último semestre de 2008

  • Antônio Cruz/Agência Brasil

    O presidente do STF, Gilmar Mendes, cumprimenta Maria da Penha, cujo caso serviu de inspiração para a criação da lei 11.340, durante apresentação do balanço do funcionamento das Varas de Violência Doméstica e Familiar

Um balanço apresentado nesta segunda-feira (30), em Brasília, pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) sobre a aplicação da Lei Maria da Penha (lei 11.340) mostra que o número de processos em tramitação por violência doméstica contra mulheres chegou a 150.532 entre julho e novembro de 2008. Dos processos abertos, 75.829 já foram sentenciados. Ao todo foram abertas 41.957 ações penais e 19.803 ações cíveis, além de 19.400 medidas protetivas - aquelas concedidas para proteger vítimas de agressão - e 11.175 agressores presos em flagrante.

A chamada 3ª Jornada de Trabalho sobre a Lei Maria da Penha avaliou a situação das Varas de Violência Doméstica e Familiar nos Estados. Em relação à última jornada, realizada no ano passado, o número de Estados que agora apresentam varas ou juizados especiais para combater a agressão doméstica à mulher subiu de 17 para 22, mais o Distrito Federal. Segundo o CNJ, os Estados que ainda não têm o serviço são Roraima, Amapá, Tocantins e Paraíba.

O secretário de Reforma do Judiciário, Rogério Favreto, afirmou que, no ano passado, o Ministério da Justiça chegou a investir R$ 16,8 milhões na implantação de sete varas especializadas e que os órgãos são "estratégicos" para o enfrentamento do tema.

"O juizado é um órgão agregador e referencial no sentido de responder e enfrentar a criminalidade, com estrutura multidisciplinar e interligação com os serviços públicos que recebem as medidas protetivas determinadas pelos juízes", disse Favreto.

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, que esteve no evento que divulgou os números, admitiu que há dificuldades em realizar "transformações culturais" a partir de iniciativas jurídicas. "A Lei Maria da Penha tem essa pretensão", disse, ao destacar que as pessoas têm dificuldade de denunciar e de obter algum tipo de proteção em uma relação "extremamente complexa".

A conselheira Andrea Pachá, presidente da Comissão de Acesso à Justiça e Juizados Especiais do CNJ, reforçou que os dados apresentados ainda não estão consolidados. A expectativa do CNJ, segundo ela, é que, com a criação de um fórum permanente para debater o assunto, números que indiquem a quantidade e o tipo de condenações, além do perfil do agressor, sejam divulgados. "São só indicativos. Nossa prioridade em 2008 foi a instalação das varas e a formação dos profissionais", afirmou.

* Com informações da Agência Brasil
Fonte: Uol notícias de 30/03/09

Ensino de imigrantes tenta equilibrar educação e adaptação - 30/03/2009

Fonte: The New York Times / Folha de São Paulo

Ensino de imigrantes tenta equilibrar educação e adaptação

Por GINGER THOMPSON
WOODBRIDGE, Virgínia - Nos corredores do colégio de ensino médio Cecil D. Hylton High, num subúrbio de Washington, é difícil detectar algum sinal das divisões que no passado pareciam ser um fator imutável na sociedade americana.
Duas garotas andam de braços dados; uma é muçulmana e usa lenço na cabeça, outra é uma loira de jeans justo. Um rapaz hispânico vestindo uma camiseta com uma estampa de Barack Obama cumprimenta um aluno negro de penteado afro. O presidente do corpo discente, filho de refugiados do Laos, pendura folhetos sobre uma feira de doces.
À medida que as divisões antigas desaparecem, porém, ondas de imigração vêm alimentando divisões novas entre os estudantes que falam inglês e os que ainda estão aprendendo a língua. "Sinto-me grata a meus professores pelo pouco de inglês que consigo falar", disse a guatemalteca Amalia Raymundo durante um intervalo. Mas, acrescentou, "sinto que eles me freiam ao me isolarem".
Sua melhor amiga, Jhosselin Guevara, também da Guatemala, opinou: "Talvez os professores estejam querendo nos proteger. Há gente que não nos quer aqui". Nos últimos dez anos, o número recorde de imigrantes, legais e ilegais, tem estimulado o maior crescimento em décadas nas escolas públicas dos EUA. O fluxo impõe pressões aos orçamentos de muitos distritos escolares, colocando as salas de aula na linha de frente da batalha americana em relação a se e como assimilar os recém-chegados ao país e seus filhos. Dentro das escolas, que têm que aceitar a matrícula de alunos independentemente de seu status migratório, a discussão gira em torno de como melhor educá-los.
A Hylton High é um laboratório. Como milhares de outras escolas nos EUA, ela reagiu ao aumento no número de imigrantes, canalizando-os para uma escola dentro da escola. Trata-se, na prática, de uma forma contemporânea de segregação que garante aos alunos que estão aprendendo inglês um apoio intensivo para satisfazerem os padrões acadêmicos crescentes, além de ajudar a conservar a paz.
Num país em que a maioria dos estudantes iniciantes no inglês está atrasada em relação aos demais segundo quase todos os critérios, o programa da Hylton se destaca pelas notas altas de seus alunos em exames e o alto índice dos que concluem o curso. Contudo, numa época de turbulências sociais, essas conquistas carregam custos consideráveis.
A calma nos corredores do colégio esconde os ressentimentos que fervilham entre alunos que mal se conhecem. Eles não hesitam em tachar uns aos outros de "estúpidos" ou "racistas". Já houve ocasiões em que as tensões levaram a brigas, incluindo uma em que estudantes imigrantes arrancaram uma bandeira americana da parede e alunos negros responderam gritando "voltem para seu país!".
O corpo docente de Hylton diverge quanto a como educar sua população estrangeira. Alguns dizem que os imigrantes são injustamente "mimados" e deveriam ser obrigados a entrar para a grande massa de estudantes em menos tempo. E mesmo os professores que defendem a segregação de alunos questionam se o programa atende às necessidades da escola, mas às expensas dos estudantes, que ganham pouca exposição ao tipo de disciplina e experiência que lhes prepararia para ascender na sociedade americana.
"É difícil para nós", disse a diretora do colégio, Carolyn Custard. "Não estou plenamente convencida de que estejamos fazendo a coisa certa. Não quero que os alunos fiquem separados, mas, ao mesmo tempo, quero que eles deem certo." Segundo as autoridades de ensino, há cerca de 5,1 milhões de estudantes nos EUA -ou seja, 1 em cada 10 matriculados nas escolas públicas- aprendendo o inglês. É um aumento de 60% em relação ao período de 1995 a 2005.
Os pesquisadores oferecem muitas explicações para as divisões entre esses estudantes e os outros grupos. O mais paradoxal, dizem, é que um país que se orgulha de ser um caldeirão cultural ainda não chegou a um consenso quanto à melhor maneira de ensinar os imigrantes. O programa do colégio Hylton para iniciantes no inglês -dirigido por Ginette Cain, 61- é um grupo sobretudo latino que inclui alunos de 32 países, falantes de 25 línguas. Especialistas estimam que o aluno médio que está aprendendo o inglês precisa de ao menos dois anos de estudo para poder conversar e entre 5 e 7 anos para escrever redações, compreender um romance ou explicar processos científicos no mesmo nível que seus pares anglófonos.
Última parada entre a adolescência e a idade adulta, os colégios de ensino médio não podem contar com tanto tempo. Para levar os alunos a se graduarem, é preciso que recuperem o atraso, competindo com colegas que estão 15 anos à sua frente. Quanto mais Amalia Raymundo, 19, vai ao colégio, mais ela sente que suas opções diminuem. Na aldeia rural em que vivia na Guatemala, ela era uma estrela em ascensão, vencedora de concursos de beleza regionais e candidata a bolsas de estudo para a universidade. Mas ela chegou aos EUA dois anos atrás para conhecer sua mãe, que não via desde que era bebê, e com a ideia de que uma educação americana a ajudaria a realizar seu sonho de "virar alguém na vida".
Ela se esforça muito para tirar boas notas. Neste ano, porém, começou a se perguntar se tanto trabalho vale realmente a pena. Quase abandonou o colégio. Todas as aulas a que Amalia assiste são dadas em inglês. Mas a guatemalteca teme que, por passar a maior parte do dia falando espanhol com os colegas de escola e com seus pais, vá levar anos para obter fluência em inglês suficiente para poder competir por uma vaga universitária.
Isso significa que, até agora, ela tem tido pouco acesso a colaboradores e redes que poderiam ensiná-la a mover-se melhor em seu novo país, a criar sua página própria no MySpace ou a conduzir um carro. "Se eu vou acabar sendo faxineira como a minha mãe, para que estudar?", disse Amalia. O programa do Hylton, conhecido formalmente como Inglês para os Faladores de Outras Línguas, ou Esol, virou motivo de orgulho por ajudar estudantes imigrantes a se saíram bem nos estudos, mas também alvo de críticas de que as aulas segregadas prejudicariam os alunos por isolá-los e simplificar o currículo.
Peter Bedford, professor de história que é a favor do programa, explica: "Os colégios precisam fazer uma escolha pragmática: concentrar-se em ensinar os alunos ou em promover sua integração social?" "Esta escola fez a escolha de focar o ensino", disse ele. "As melhores ferramentas que podem dar a eles para que funcionem bem na sociedade são seus diplomas."
Mas a diretora-assistente Amy Weiler receia que o programa tenha convertido o colégio de ensino médio em um fim, em vez de um começo. "Nosso programa é bem-sucedido em levar nossos alunos a passar em exames", disse Weiler. "Mas, se você quer saber se estamos ajudando nossos alunos a serem assimilados, não temos dados para responder. Meu medo é que, se formos ver onde os alunos do Esol estarão em dez anos, vamos nos decepcionar."
Amalia Raymundo sonhava ser médica, mas aprendeu a adaptar suas metas. "Quando vim para este país, eu tinha a mala cheia de sonhos", disse ela. "Agora vejo que meus sonhos são limitados."

domingo, 29 de março de 2009

Fernando Haddah: Educação: duas visões - 29/03/2009

Folha de São Paulo

Educação: duas visões

FERNANDO HADDAD


O Brasil se transformou, dessa forma, num enorme laboratório em que várias concepções de educação vão sendo testadas

A ADESÃO dos 27 governadores e 5.563 prefeitos ao Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), do governo federal, pode passar a falsa impressão de que há consenso acerca do que precisa ser feito pela educação brasileira.
De fato, o Ministério da Educação, de comum acordo com os gestores locais, definiu 28 diretrizes, como avaliação por escola, escolha criteriosa de diretores, obrigatoriedade de aulas de recuperação para alunos defasados, regulamentação do estágio probatório, valorização do mérito e da carreira de professor, promoção da educação infantil etc.
Além disso, fixou para o país, para cada rede e cada escola metas de qualidade, valendo-se do Ideb, indicador de qualidade que combina o resultado dos exames nacionais de proficiência em matemática e leitura e as taxas de aprovação.
Havia grande resistência na divulgação dos resultados por escola, mas mesmo os governos estadual e municipais que não aderiram à Prova Brasil em 2005 foram vencidos pela evidência de que esse é um direito das famílias que contribui para a melhoria da qualidade e da gestão da educação. Contudo, se há acordo em relação a diretrizes e metas, o mesmo não pode ser dito em relação a estratégias.
O Brasil, dessa forma, se transformou num enorme laboratório em que várias concepções de educação vão sendo testadas, e experiências, trocadas, tendo como pano de fundo o direito fundamental do aluno de aprender.
É possível, dois anos após o lançamento do PDE, agrupar essas estratégias em torno de dois eixos: um mais progressista e um mais conservador. Mais ou menos financiamento? Os especialistas se dividem. Alguns defendem que o patamar herdado de investimento público em educação como proporção do PIB, de 4%, é suficiente e que o problema reside na gestão desses recursos. Outros defendem a ampliação dos investimentos para, no mínimo, 6%, com melhor gestão. O governo federal pretende atingir, em 2010, a meta de 5%, em trajetória ascendente.
Os conservadores, na reforma tributária, trabalham nos bastidores pela desvinculação de receitas dos Estados para a educação, a chamada DRE; os progressistas comemoram a iminência do fim da DRU, dispositivo constitucional que, desde 1995, retira mais de 20% do orçamento do Ministério da Educação. Avaliação para quê? Premiar e punir, sugerem alguns. Aqui há que considerar certos aspectos. Se não acompanhado de aumento do financiamento, mais recursos para escolas que cumprem metas de qualidade pode significar menos recursos para as que não cumprem. Isso pode implicar punir uma segunda vez alunos de escolas que não avançam.
Outra possibilidade é aquela que, ao ampliar o financiamento, promove as transferências adicionais de recursos, combinando a lógica do mérito à da colaboração: repasses automáticos para escolas que cumprem metas, ampliando sua autonomia, e repasses condicionados à elaboração, com apoio técnico, de um plano de desenvolvimento pedagógico e formação de professores para escolas cujos indicadores de qualidade as situem abaixo da média. O MEC, desde 2007, de forma pioneira, repassa diretamente recursos adicionais para as escolas públicas do país utilizando esse critério.
Por fim, o mais importante: a questão dos professores. Uma ala faz recair sobre os ombros do magistério toda a responsabilidade pela baixa qualidade do ensino. As instituições de ensino superior que os formam e os gestores que os contratam quase nunca são lembrados, embora baixos salários, contratos temporários e formação inicial e continuada precária sejam a regra em nosso país. Reforça-se, assim, aquilo que Theodor Adorno chamou de "tabus acerca do magistério", num ensaio mais do que atual.
Noutro polo estão os que entendem que "os melhores professores do Brasil são os professores do Brasil" e que a guerra contra a má qualidade do ensino se ganha com eles, e não contra eles. Defendem o piso nacional do magistério, constroem a carreira com a categoria e procuram corresponsabilizar a classe política e as instituições formadoras pelos destinos da educação.
Nessa direção, o Ministério da Educação, a partir de 2005, divulga o Ideb de cada rede de ensino às vésperas de cada eleição e, por meio do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes), fecha cursos de licenciatura de baixa qualidade. Como se vê, o Brasil deu importantes passos, mas há muito debate pela frente.

FERNANDO HADDAD, 46, advogado, mestre em economia, doutor em filosofia e professor de teoria política da USP, é ministro da Educação.

quinta-feira, 19 de março de 2009

Folha de S.Paulo - Com o terceiro cromossomo 21 - 19/03/2009

 

Com o terceiro cromossomo 21

Combinação de avanços médicos e sociais aumenta e melhora expectativa de vida dos portadores da síndrome de Down; evolução será comemorada no sábado

Cia de Foto/Folha de Imagem

A família de Carminda Regina Vilas, 55 , passou muitos anos escutando que sua caçula morreria cedo
LUIZ FERNANDO VIANNA
EM SÃO PAULO
Quando Carminda Regina Vilas nasceu, há 55 anos, sua mãe enfrentou três meses de incertezas e desorientação, até ouvir de um médico: "Sua filha é mongolóide".
Hoje condenado, o uso do adjetivo não era pior do que a certeza da medicina de que não havia nada a fazer. Aquela criança viveria pouco e mal.
A ótima saúde de Carminda é prova de que a história poderia ser diferente. E começou a ser em 1959, quando o francês Jérôme Lejeune publicou o resultado de experiências que vinha fazendo com portadores de "idiotia mongólica", como era chamada a síndrome desde 1866, quando foi descrita pelo inglês John Langdon Down.
Além de ser rebatizada de síndrome de Down, ela ganhou de Lejeune sua causa genética: a existência de um terceiro cromossomo no que deveria ser o par 21. Por causa desses números, 21 de março passou a ser, em 2006, o Dia Internacional da Síndrome de Down.
A descoberta está completando 50 anos com motivos para ser comemorada. Um dos principais é a longevidade de pessoas que nasceram antes desse divisor de águas e que, graças aos avanços médicos e sociais, chegaram aos dias de hoje -com vida ativa e afetiva, em boa parte. A expectativa de vida dos Down, que ficava entre dez e 12 anos em 1950, já ultrapassou a barreira dos 60.
David Maiberg Neto tem 61. Vive há 12 na Aldeia da Esperança, um conjunto de casas em Franco da Rocha, na grande São Paulo. As famílias pagam, e o Ciam (Centro Israelita de Apoio Multidisciplinar) cuida dos residentes (não só Down) -são 54 no momento.
A audição reduzida incomoda, mas o pior para David tem sido lidar com a perda da mãe neste ano. "Estou sofrendo muito", diz ele, chorando. Seu caso é comum entre os Down que envelhecem: perdem os familiares sem, no entanto, ter vida independente. O pai e um irmão de David já morreram, só lhe restando a irmã.
Ou melhor, há Sheila, sua namorada. Autista de 37 anos, ela também vive na Aldeia, numa casa em que David tem autorização para dormir três vezes por semana.
"De uns dois anos para cá, ele tem tido perdas que não eram tão acentuadas, como de audição e visão. Acabamos nem percebendo tanto devido à Sheila, que o auxilia muito. E o quadro dela ficou melhor. Os dois se completam", diz a psicóloga Margarete Della Torre.
"Eu gosto dela [Sheila], ela gosta de mim. Ela chora, eu também choro", conta David.
Para reduzir a simbiose, separam os dois nas atividades, como a da oficina de dobrar sacos de lixo, feita por eles em horários diferentes. Nos fins de semana, os residentes vão a teatros, museus, parques aquáticos e, uma vez por ano, fazem passeios longos, como a Salvador e a Bonito (MS).
Carminda Vilas, ou "Carmindinha", como é chamada pelas irmãs, conhece o Rio, Paraty, Foz do Iguaçu e outras cidades. Seu plano ambicioso é ir a Roma ver o papa.
Sai com frequência de casa, em Indianópolis (São Paulo), e, vaidosa, procura estar sempre penteada e com as unhas das mãos e dos pés pintadas.
"Mamãe nunca teve vergonha. Ela a criou como nos criou", conta Ana Maria Vilas, 61, a irmã mais velha. "Carmindinha vai à Sala São Paulo, ao teatro, ao cinema, ao shopping. Se alguém olha com cara estranha, ela fica brava, e a gente compra as dores, fazemos um barraco se for preciso."
De acordo com o relato das irmãs de Carminda, a mãe, Encarnação, passou muitos anos escutando que sua caçula tinha prazos: morreria ainda na infância, na puberdade, aos 13, aos 18, aos 21... "A cada aniversário achávamos que era o último", lembra Ana Maria. "Quando ela fez 50 anos, foi um baita festão, com cem pessoas. Era o sonho de mamãe."
Sonho realizado, Encarnação morreu há três anos. Quem esperava a queda de Carminda se surpreendeu. "Ela não deixava a gente chorar. Mostrou que era a dona da casa, que ia cuidar da gente", conta Dagmar.
Carminda ouve tudo atentamente, mas em silêncio. Embora saiba copiar as letras e se comunicar à sua maneira, não conseguiu desenvolver a fala. Mas isso não a impede de dar olhares bem expressivos para as irmãs quando elas falam algo que a desagrada.
"Clowns"
De segunda a sexta-feira, Oscar Pereira de Araújo Filho, 55, e Wagner Baptista de Figueiredo, 53, entram de manhã e saem às 16h30 -"na quarta é às quatro da tarde, porque tenho fisioterapia em casa", alerta o metódico Oscar- do CSOZ (Centro Sócio-Ocupacional Zequinha), a unidade da Apae (Associação dos Pais e Amigos dos Excepcionais) que atende, no Itaim Bibi, pessoas em estado de envelhecimento. O nome é homenagem ao filho da fundadora da Apae, Jô Clemente. Ele morreu em 2001, aos 52 anos.
O que Oscar e Wagner mais gostam de fazer é ensaiar. Eles são "clowns" (atores-mímicos) nas encenações do grupo do CSOZ. Mas Wagner também gosta da oficina de cozinha ("faço pão de queijo, goiabada, macarrão") e de namorar com Fátima, sua colega no centro.
"Eu gosto muito dela. A gente não tem problemas. Meu coração fica batendo", diz ele, que se diverte ao falar que é mais novo do que sua irmã gêmea, pois saiu depois da barriga da mãe.
Oscar, que já não tem mais os pais, almoça todos os sábados com a irmã. É quando comete um pecadilho semanal típico de quem, tanto quanto possível, quer curtir a vida: "Tomo duas cervejinhas".

segunda-feira, 16 de março de 2009

Folha de S.Paulo - "Mistura" melhora ensino, dizem diretores - 16/03/2009

 

"Mistura" melhora ensino, dizem diretores

Pais com maior nível de escolaridade trazem para a escola mais cobrança
Resultados de avaliações nacionais e internacionais demonstram benefícios da menor distância no desempenho dos alunos
DA SUCURSAL DO RIO

A diretora da escola municipal Minas Gerais, Regina Paschoa, resume da seguinte maneira o desafio de lidar com a diversidade na instituição: "É muito fácil trabalhar apenas com diamantes. Nosso desafio é juntar diamantes e cascalhos e fazer isso dar resultado".
Segundo ela, todos os alunos se beneficiam quando, por exemplo, pais com maior nível de escolaridade trazem para a escola mais cobrança.
A diretora da rede de ensino do colégio federal Pedro 2º, Anna Fonseca, lembra que para se beneficiar dessa diversidade social é preciso preparo. "Como fazemos sorteio para ingresso no ensino fundamental, a diversidade, especialmente nos primeiros anos, é significativa. Temos algumas estratégias para fazer com que todos tirem o máximo possível. Nossa grade curricular permite que o aluno se desenvolva em várias áreas do conhecimento", diz.
Avaliações internacionais mostram que, em redes onde a distância entre melhores e piores alunos é menor, os resultados, na média, são melhores.
A menor desigualdade no desempenho, por exemplo, é uma característica da Finlândia e de Hong Kong (China), que obtiveram os melhores resultados no último Pisa, exame internacional que compara o aprendizado em ciências, leitura e matemática em diversos países.
Em comum aos dois casos está o fato de mais de 90% dos alunos estudarem no mesmo tipo de escola (pública na Finlândia e particular com financiamento governamental em Hong Kong).
Os benefícios da menor desigualdade aparecem também em avaliações nacionais. Cidades do interior do Sul e Sudeste onde há maior presença da classe média na rede pública aparecem com frequência entre as melhores nas avaliações do MEC. No Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), o melhor desempenho médio dos alunos é encontrado nas cidades do Rio Grande do Sul, onde a distância entre as notas da rede pública e privada é menor.

Folha de S.Paulo - Diversidade leva classe média à escola pública - 16/03/2009

 

Diversidade leva classe média à escola pública

Para que convivam com alunos de vários níveis socioculturais, pais como a atriz Andréa Beltrão preferem matricular filhos na rede pública
Casos estão restritos a colégios públicos com padrão alto de aprendizado e ainda são minoria nas famílias mais ricas

Rafael Andrade/Folha Imagem

Ana Cristina Nori (à dir.), com o filho João e outras famílias que optaram pela escola municipal Minas Gerais, considerada modelo no Rio
ANTÔNIO GOIS
DA SUCURSAL DO RIO
Num país em que a maioria das famílias de classe média ou alta vê o ensino privado como única opção, uma parcela desse grupo foge à regra e matricula os filhos em escolas públicas. Muitos procuram algo que os colégios particulares, por serem pagos, são incapazes de proporcionar: um ambiente diversificado, onde convivem alunos de vários níveis socioculturais.
Foi esta a opção de Andréa Beltrão, atriz que interpretou uma professora no filme "Verônica", lançado neste ano.
Mãe de três filhos, ela diz que a escolha foi natural. "Eu estudei em escola pública. Minha mãe deu aula no Pedro 2º [colégio federal no Rio]. Por isso, quis para meus filhos uma escola em que o critério de entrada não fosse o dinheiro", diz.
Casos como o dos filhos de Andréa ainda são minoria nas famílias mais ricas.
Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, do IBGE, tabulados pela Folha, mostram que em 2007 apenas 16% das crianças nas famílias de maior renda (mais de cinco salários mínimos per capita) estudavam em escolas públicas. Em 2001, eram 12%.
Como não abre mão da qualidade, esse movimento da classe média em direção à escola pública ainda é restrito aos poucos estabelecimentos estatais que conseguem manter alto padrão de aprendizagem.
É o caso da escola municipal Minas Gerais, no Rio, incluída em 2006 numa lista do Ministério da Educação e do Unicef de escolas públicas modelo. Além de atender crianças mais pobres, a escola atrai uma parcela da classe média, como o funcionário público Luiz Eduardo Ricon. Seus dois filhos, de nove e 14 anos, estudavam num colégio particular até o ano passado.
"O problema não era a mensalidade. Eu e minha mulher achávamos que o melhor para eles era estudar numa escola que fosse representativa da cidade em que vivem, pois, no futuro, vão trabalhar e conviver com todos, e não apenas com pessoas de classe média que pensam como eles", diz Ricon.
Ensino mais valorizado
Em São José dos Campos (SP), o professor Túlio Lopes Cunha conta uma história parecida. Suas duas filhas, de três e nove anos, estudam hoje na rede municipal da cidade. A mais velha, no entanto, veio de uma escola particular onde a mensalidade custava R$ 430.
"Levei em conta também a questão financeira, mas só matriculei minha filha mais velha nessa escola depois que vi que ela ficou bem acima da média", diz Cunha, citando o Ideb, índice do MEC que monitora a qualidade da educação pública e que mostrou que a escola Jacyra Baracho estava entre as 20 melhores de São Paulo.
Até o momento, ele diz que não teve motivos para arrependimento. "Minha filha se adaptou muito bem. Está se sentindo até mais acolhida. Pela minha experiência como professor, sei que muitos pais de escolas particulares acham que a educação se resume a pagar uma escola. Na rede pública, aprende-se a valorizar mais o ensino", afirma Cunha.
Outra vantagem adicional citada por pais que optaram pela rede pública é a mudança em hábitos de consumo.
"A pressão consumista diminui bastante, pois não existe tanto essa coisa de eles quererem usar na escola calça de marca ou tênis da moda", conta a engenheira Ana Cristina Nori, que tem um filho na escola municipal Minas Gerais e outro que estudou lá no ensino fundamental.
Nori diz não se abalar quando ouve o argumento de que seus filhos poderiam estar na rede particular, liberando a vaga para alunos mais pobres.
"Eu pago impostos e tenho os mesmos direitos que qualquer outro cidadão. Sempre estudei em escola pública e acho que, se a classe média não tivesse abandonado a escola pública quando ela começou a piorar, hoje, certamente, a situação do ensino não seria tão ruim."

terça-feira, 10 de março de 2009

Folha de S.Paulo - Kassab reduz cota de leite no ensino infantil - 10/03/2009

 

Kassab reduz cota de leite no ensino infantil

Estudantes de um a seis anos, que recebiam 1,2 kg de leite em pó por mês no programa Leve Leite, terão direito a 1 kg

Rivaldo Gomes/Folha Imagem

Kassab entrega kit escolar quase um mês após início das aulas

Prefeitura diz que já pagava pela distribuição de 1kg por aluno, conforme a legislação, mas a Nestlé só possuía latas de 400g
FÁBIO TAKAHASHI
DA REPORTAGEM LOCAL
A gestão do prefeito de SP, Gilberto Kassab (DEM), diminuiu de 1,2 kg para 1 kg a quantidade de leite mensal distribuída para as famílias com filho no ensino infantil, atendidas pelo programa Leve Leite.
A redução de 200g (17%) representa cerca de seis copos a menos no mês (com a quantidade anterior de leite em pó, era possível preparar 46 copos, número que caiu para 38). Serão afetadas as famílias cujos filhos têm entre um e seis anos (420 mil crianças).
A Secretaria Municipal de Educação afirma que já pagava pela distribuição de 1kg por aluno, conforme a legislação do programa, mas a Nestlé (fornecedora do produto) só possuía latas de 400g. Assim, desde 2007 eram dadas três latas por criança, totalizando 1,2kg. Neste ano, a empresa passou a usar embalagem de 1kg.
"Já era pouco, mal dava para uma semana, porque tenho outro filho na rede estadual que não ganha leite. Agora, vou precisar comprar mais leite ainda para completar o mês", afirmou a empregada doméstica Angélica Quirino, 32, que tem um filho em uma creche em São Mateus (zona leste).
"A medida não tem a ver com economia da prefeitura, é apenas ajuste da embalagem", disse o secretário da Educação, Alexandre Schneider.
A Folha apurou que diretores de creches estão sendo pressionados por pais devido à diminuição. Alguns chegam a suspeitar de desvio do produto.
A Nestlé, por meio da assessoria de imprensa, afirmou que apenas segue o edital da prefeitura, encerrado no final do ano passado, que prevê latas de 1kg.
Disse também que usava latas de 400g (modelo do mercado) até então porque cumpria contratos emergenciais, que não faziam tal exigência.
A distribuição do leite Ninho para alunos da rede municipal foi tema da campanha de Kassab no ano passado. O produto era citado como "do rótulo amarelinho" e "de qualidade".
Não sofrerão mudança na quantidade recebida de leite as crianças de zero a um ano (seguirão com 1,2kg) e de seis a 14 (seguirão com 2kg).
O Leve Leite, instituído na cidade na gestão Paulo Maluf (1993-1996), prevê distribuição de leite em pó para crianças que frequentam 90% das aulas.
Distribuição
A partir de maio, o leite deixará de ser entregue às famílias nas escolas e passará a ser enviado pelo Correio.
A oposição ao prefeito na Câmara vê na medida uma forma de aumentar o lucro da Nestlé, que precisará entregar todo o leite em apenas um lugar e terá um pequeno desconto (R$ 6 milhões ao ano, em um contrato de R$ 169 milhões). Diretores de escolas veem também dificuldade em encontrar parte das famílias, que vivem em locais sem endereço oficial.
O governo afirma que pretende tirar dos profissionais da educação a responsabilidade pela distribuição, deixando-os concentrados no ensino.
Outra medida polêmica envolvendo prefeitura e Nestlé foi revelada pela Folha em setembro de 2007. Na ocasião, a gestão Kassab reduziu a pedido da empresa a quantidade nutricional da sopa que pretendia distribuir em um programa para reunir pais e alunos aos sábados nas escolas e creches.
Um dos motivos para atender ao pedido, disse a prefeitura, foi aumentar a quantidade de empresas na licitação. E que a sopa não integrava um "programa de alimentação".