quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Universidades pedem apoio do BNDES

Fonte: Folha de São Paulo

Universidades pedem apoio do BNDES

Setor quer uma linha especial de financiamento, com recursos públicos e condições melhores que as praticadas hoje
Para o consultor em ensino superior Carlos Monteiro, as instituições passam por dificuldades porque não conseguiram se estruturar

FÁBIO TAKAHASHI
MÁRCIO PINHO
DA REPORTAGEM LOCAL

Levantamento feito pelo sindicato das universidades privadas de São Paulo aponta que 41,5% das instituições terão um volume menor de novos alunos (ingressantes) neste ano em relação ao ano passado. Segundo a entidade, a redução é reflexo da crise econômica.
Será a primeira vez desde 1996 que as escolas privadas do Estado sofrerão tal redução, se for confirmada a diminuição (a ser oficializada com a tabulação do Ministério da Educação).
"Nosso alunado é formado em sua maioria de aluno-trabalhador. Em qualquer problema de desemprego, dele ou de algum integrante da família, ele desiste do curso superior", afirma o presidente do Semesp (sindicato das instituições particulares), Hermes Figueiredo.
De acordo com o IBGE, o número de desempregados na região metropolitana de São Paulo aumentou 32% entre dezembro e janeiro.
A pesquisa do Semesp foi respondida por 266 instituições, 69,5% do total de São Paulo. Apenas 26,8% afirmaram que terão mais ingressos neste ano.
"A redução é preocupante. Menos alunos hoje significa menos alunos por quatro ou cinco anos [duração dos cursos]", disse o pesquisador Oscar Hipólito, do Instituto Lobo e ex-diretor do Instituto de Física da USP de São Carlos.
"A diminuição [dos novos alunos] desestrutura a instituição, pois muitos dos gastos são constantes. E, ao tentar cortar as despesas, pode haver perda de qualidade. Muitas, por exemplo, mandam embora os professores mais preparados, que têm melhores salários."
BNDES
Para tentar atenuar os efeitos da crise, o Fórum das Entidades Representativas do Ensino Superior Particular solicitou ao BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) uma linha especial de financiamento, com recursos públicos, para a área.
As instituições pedem recursos com taxas menores do que as do mercado, tanto para capital de giro (manutenção dos cursos) quanto para investimento (ampliação e modernização da infraestrutura).
O banco já possui uma linha para financiar o investimento, mas o fórum pleiteia condições melhores. Já a linha para capital de giro seria inédita.
Segundo Hermes Figueiredo, o presidente do Semesp, desde que começou a crise econômica, no final do ano passado, as universidades têm encontrado dificuldade para fazer empréstimos bancários. E, quando conseguem, afirma, as taxas estão altas (foram de uma média de 1,5% ao mês no ano passado para 2% a 3% neste ano).
"Estamos com menos alunos, menos crédito e a inadimplência subindo. Precisamos de recursos para evitar, por exemplo, demissão de professores."
O banco não se manifestou ontem sobre a solicitação das universidades privadas.
"Falta de qualidade"
Antes mesmo da crise econômica, o ensino superior já passava por dificuldades pelo fato de o número de vagas ter crescido nos últimos anos muito mais que a demanda.
Entre os anos de 1997 e 2007, o número de instituições de ensino superior privadas do Estado passou de 266 para 496 (aumento de 86,5%).
Já o total de alunos no ensino médio teve queda -de 1,8 milhão para 1,7 milhão.
Para Carlos Monteiro, consultor em ensino superior, o setor passa por dificuldades porque não conseguiu se estruturar para permitir a permanência nas salas de aula da classe C, público disputado hoje por muitos cursos de graduação.
"A falta de qualidade em muitas instituições afasta o aluno. Um problema maior é a falta de opções de financiamento para quem tem dificuldade para pagar os estudos. São problemas estruturais. A crise financeira é apenas mais um problema."

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Ecstasy enreda jovens da elite brasileira

 

Ecstasy enreda jovens da elite brasileira

Fonte: Folha de São Paulo

Por ALEXEI BARRIONUEVO

SÃO PAULO, Brasil - Os sinais habituais da vida adolescente de classe alta pareciam surgir com facilidade para Sander Mecca: namoradas, bandas de rock, acesso a clubes da moda -e um intenso consumo de ecstasy. Sem a droga, as raves que duram o fim de semana inteiro não eram a mesma coisa para Mecca, que chegava a consumir seis comprimidos em 12 horas.
Então, aos 21 anos, Mecca foi preso num bar sob acusação de tráfico e passou quase dois anos na cadeia, dormindo ao lado de bandidos calejados e observando outros playboys paulistanos sendo atraídos para a vida do crime organizado.
A história dele tem se tornado mais comum no Brasil, onde a difusão do ecstasy leva uma nova classe de jovens bem-educados a ter problemas com a lei.
Esses novos distribuidores de drogas são muito diferentes dos traficantes fortemente armados e dos seus jovens e miseráveis "soldados" das favelas, onde a polícia brasileira entra com pequenos exércitos para travar violentas batalhas contra as quadrilhas. Os acusados de venderem ecstasy costumam ser universitários ligados ao universo da música eletrônica. Diferenças à parte, o tráfico de drogas está cada vez mais demonizado aos olhos da lei no Brasil, e a elite do país não está sendo poupada.
Recentemente, a Polícia Federal prendeu 55 pessoas, muitas delas no Rio, numa investigação nacional focada em jovens da classe média alta que estariam trazendo ecstasy, LSD e outras drogas sintéticas da Europa para o Brasil.
Em São Paulo, a polícia selecionou raves, boates e universidades de alto nível para fazer longas operações sigilosas. Nos últimos anos, a polícia paulista prendeu centenas de universitários em ações contra o tráfico de ecstasy.
Mesmo assim, as pílulas continuam chegando do exterior, para embalar enormes shows ao ar livre e raves que atraem dezenas de milhares de pessoas e duram dias. A Polícia Federal diz ter apreendido 211 mil comprimidos em 2007, equivalente a 17 vezes o volume do ano anterior, e outras 132.621 pílulas no ano passado.
A ascensão do ecstasy como a droga dos ricos brasileiros abriu ainda mais as portas para que policiais corruptos se aproveitem dos usuários e de suas famílias. Agora que o Brasil substituiu as penas de prisão para usuários de drogas por tratamento ou serviço comunitário, a polícia está extraindo subornos -às vezes de centenas de milhares de dólares- para não indiciar suspeitos de tráfico de ecstasy, segundo advogados de defesa e três traficantes que já cumpriram pena.
"Consumidores e traficantes de ecstasy vêm de um ambiente socioeconômico mais elevado", disse o advogado criminalista Cristiano Maronna, de São Paulo. "Do ponto de vista da polícia, apreender esses indivíduos se torna mais interessante, porque abrirá as portas a possibilidades de corrupção policial."
Adolescentes ricos e de classe média costumam vender ecstasy para sustentar seus gostos extravagantes na cara e agitada vida noturna paulistana, disse o delegado Luiz Carlos Magno, chefe do Denarc (Departamento de Investigações sobre Narcóticos), da Polícia Civil.
Donos de casas noturnas e organizadores de festivais eletrônicos costumam reclamar dessa associação entre droga e música, argumentando que o ecstasy está sendo consumido em todos os lugares, até mesmo em jogos de futebol. Mecca, porém, disse que a conexão é inegável.
"O ecstasy e as raves andam de mãos dadas, e isso não vai parar", disse Mecca, hoje com 26 anos. "Você vai a uma rave aqui e ninguém está sóbrio. Todo o mundo tomou ecstasy ou ácido, e todo o mundo está louco."
A maioria dos passadores de ecstasy compra a droga no exterior, especialmente na Holanda, segundo o delegado Magno. "Os pais têm dinheiro, mas não têm a menor ideia do que sua garotada anda fazendo."
Além disso, a imagem de bandidos exibindo metralhadoras nem passa pela cabeça dos usuários que se viram algemados por venderem ecstasy, ou às vezes por dividirem algumas pílulas com os amigos. "Eles se referem aos traficantes como 'eles', os caras nas favelas", disse Magno.
A lei brasileira protege portadores de diplomas universitários, garantindo-lhes cela especial. Mas a falta de um só crédito para a formatura significa cair no meio da população carcerária geral.
Mecca disse que um conhecido seu da cena clubber, também preso por tráfico de ecstasy, entrou para uma quadrilha na cadeia, pegou gosto pela vida criminosa e saiu de lá como bandido.
"Os playboys acham que, por terem dinheiro, estão acima da lei, e que nada irá afetá-los", disse ele. "Então continuam brincando por aí até que algo sério aconteça. A prisão mudou minha vida."


Colaborou Myrna Domit, em São Paulo

sábado, 21 de fevereiro de 2009

Um direito constitucional dos escolares

A terceirização da merenda escolar é a melhor alternativa para adoção pelas escolas públicas?

NÃO

Um direito constitucional dos escolares

SONIA LUCENA DE ANDRADE
O PROGRAMA Nacional de Alimentação Escolar, criado na década de 1950 com a assessoria de Josué de Castro, é o mais antigo programa de alimentação do Brasil. O objetivo desse programa é atender parte das necessidades nutricionais dos alunos, contribuindo para o crescimento, o desenvolvimento, a aprendizagem e o rendimento escolar dos estudantes. Colabora também para a formação de hábitos alimentares saudáveis, além de valorizar a diversidade e a cultura alimentares.
No decorrer de sua existência, ocorreram modificações na gestão desse programa. Em seus primórdios, a própria administração pública o gerenciava (autogestão). Posteriormente, passou a admitir-se a terceirização do fornecimento das merendas. Partidários do "Estado mínimo", os defensores da terceirização sustentam que essa modalidade de gestão seria mais vantajosa para o poder público.
Primeiramente porque diminuiria as despesas com pessoal, incluindo os gastos com a remuneração de servidores enfermos ou com proventos de inativos. Em segundo, porque o poder público não mais seria obrigado a equipar adequadamente as escolas para a preparação das refeições (por exemplo, construindo cozinhas e adquirindo fogões, refrigeradores e outros eletrodomésticos).
Haveria supostamente uma racionalização dos gastos públicos. Em alguns locais onde ocorreu a terceirização (como no Espírito Santo e no município de São Paulo), os profissionais da educação detectaram graves problemas no programa de alimentação escolar, entre os quais: baixa qualidade nutricional dos alimentos; excesso de alimentos industrializados, ricos em açúcares e gorduras (em geral, mais baratos); fraude nas licitações; aumento considerável do custo unitário da refeição; falhas na prestação de serviços; falta de vínculo com a comunidade assistida; transporte inadequado das refeições para as escolas, quando há produção centralizada delas; descaso com a opinião dos alunos; exploração do trabalho das merendeiras ou oferta de condições de trabalho precárias; sucateamento das áreas de produção; e desestruturação da economia local, principalmente da produção de alimentos em pequenos municípios.
Outro agravante é que algumas empresas que são contratadas pelo poder público, ao elaborarem o cardápio, não inserem alimentos regionais. Elas alegam que contrataram nutricionistas para adequar os cardápios à cultura local. Porém, o que se observa, na maioria das vezes, é que o parecer técnico dos nutricionistas não é seguido pelas organizações terceirizadas que os contrataram. Na prática, verificou-se que a autogestão apresenta inúmeras vantagens em comparação com o outro sistema.
Com a autogestão, os gêneros alimentícios são, em regra, comprados de produtores locais -o que contribui para o aquecimento da economia da região, bem como propicia a inclusão, nas refeições, de alimentos naturais e comprovadamente mais saudáveis. Com frequência, os pais dos alunos participam mais efetivamente da execução do programa, por meio dos conselhos. Os órgãos governamentais de controle -como o Tribunal de Contas- têm acesso a mais informações sobre essa execução e, consequentemente, a fiscalizam mais efetivamente. O gestor tem de contar com a assessoria de um nutricionista (o qual assume a responsabilidade técnica do cardápio) e, com o dever de zelar pela educação e saúde dos escolares, acaba se comprometendo mais com o sucesso do programa.
Por fim, é preciso ter em mente que a alimentação escolar é um direito humano e constitucional dos escolares e um dever do poder público. A terceirização revela omissão do Estado em cumprir seu dever, já que a alimentação dos estudantes passa a ser encarada como mera mercadoria que pode ser negociada com a iniciativa privada. Diante dos sérios problemas que a terceirização vem apresentando, conclui-se que a presença do Estado, por meio de autogestão, é necessária para garantir o sucesso do programa e sua universalização.
SONIA LUCENA DE ANDRADE , nutricionista, é professora do curso de nutrição da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco). É conselheira titular do Consea Nacional (Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional) e membro da diretoria da Asbran (Associação Brasileira de Nutrição).

Os custos da autogestão

A terceirização da merenda escolar é a melhor alternativa para adoção pelas escolas públicas?
SIM
Os custos da autogestão

FERNANDO CAPEZ
RECENTEMENTE , temos assistido a uma série de denúncias envolvendo o fornecimento de merenda escolar por empresas privadas. O Ministério Público apura suposta fraude na concorrência, em virtude de alegado direcionamento para beneficiar certos fornecedores.
A Promotoria da Cidadania, braço civil do Ministério Público paulista na proteção do patrimônio público, recomendou à prefeitura o encerramento imediato do sistema de terceirização e o fornecimento direto da merenda pela municipalidade.
Independentemente do resultado da investigação versando sobre o último certame licitatório, o que está em discussão é a manutenção ou não da atual forma de gestão. O prefeito Gilberto Kassab, alicerçado por ampla legitimidade popular haurida das urnas, insiste na adoção do modelo em vigor, alegando impossibilidade econômica de retornar ao regime da autogestão, cuja origem remonta a 1935.
Foi somente em 1999 que surgiu, em Indaiatuba (SP), a gestão terceirizada. Na capital paulista, o primeiro contrato desse tipo foi assinado em caráter emergencial em 6 de dezembro de 2001. Em 2006, o procedimento licitatório foi reformulado, implantando-se a corresponsabilização social das empresas terceirizadas. Era o início do modelo de gestão compartilhada ou de terceirização, o qual entrou em vigor no dia 10 de julho de 2007 e perdura até hoje, com abrangência de 78% das unidades da rede escolar do município de São Paulo.
Dentre as críticas ao atual sistema de gestão, podemos destacar aquela constante do relatório da Fipe, apontando um custo 3,6 vezes maior para a merenda terceirizada. Esse cálculo, no entanto, não serve de parâmetro para sobredita comparação, pois desconsiderou todos os outros gastos envolvidos na prestação do serviço.
Assim, se o poder público quiser voltar ao "ancien régime" e oferecer diretamente a merenda escolar, precisará incluir no custo da refeição outros gastos que também terá, como: contratação de novos servidores para tais tarefas; transporte, estocagem e armazenamento dos gêneros não-perecíveis; planejamento e estudos de logística; treinamentos contínuos; investimentos em equipamentos e utensílios necessários ao serviço; implementação de infraestrutura etc.
O custo maior, no entanto, que não pode deixar de ser incluído no cálculo, é o do desperdício, que hoje é arcado pelas empresas fornecedoras e passaria, com a volta da autogestão, a sê-lo pela própria municipalidade. Em um sistema de terceirização, cabe à fornecedora a obrigação de evitar o prejuízo, pois é ela quem o suporta. Voltando o serviço para a municipalidade, retornam os velhos problemas enfrentados no mundo inteiro pelos regimes estatizantes: superfaturamentos na compra de gêneros, superdimensionamento de quantidades, contratação de pessoal para fiscalização etc.
Por mais eficiente que seja a administração, óbices como esses são inerentes ao funcionamento continuado de qualquer sistema operado pelo poder público, mesmo em países ditos do Primeiro Mundo. Se todos esses gastos tivessem sido embutidos no valor final da alimentação escolar, certamente não se teria chegado à distorção apontada pela Fipe. Estadeia-se, igualmente, que na gestão terceirizada são fornecidos alimentos de qualidade nutricional inferior à dos da gestão direta. Constata-se, entretanto, que o Pnae paga, às prefeituras, o montante de R$ 0,22 por aluno. Já os governos estaduais contribuem com R$ 0,19.
Ambas as quantias têm de ser, ainda, completadas pelo município. Com os valores repassados atualmente, seria impossível ao sistema público fornecer uma merenda melhor, cujo custo hoje gira em torno de R$ 1 em média por aluno. Dessa forma, já que as prefeituras teriam de complementar os valores para bancar os custos da merenda escolar, muitos prefeitos optam pela gestão terceirizada.
Como se vê, a questão demanda um debate profundo, bem como detida reflexão, a fim de que se atenda ao princípio constitucional da eficiência na busca do bem comum.
FERNANDO CAPEZ , mestre em direito pela USP e doutor pela PUC-SP, é deputado estadual do PSDB e promotor de Justiça licenciado.

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

1 a cada 5 professores brasileiros é temporário

1 a cada 5 professores brasileiros é temporário

Mato Grosso tem situação mais grave, revela levantamento feito pela Folha em 23 Estados

Ao menos outros 7 Estados, entre os quais SP, têm mais temporários que a média nacional; situação afeta o ensino, diz professor da USP

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
DA AGÊNCIA FOLHA

Pelo menos um em cada cinco professores da rede estadual de ensino no Brasil é temporário, revela levantamento da Folha em 23 Estados.
As situações mais graves são as de Mato Grosso, em que 49% dos docentes não são efetivos, e de São Paulo (43%), de acordo com dados atualizados ontem.São Paulo enfrenta uma crise desde que a Justiça suspendeu, no dia 4, uma prova em que cerca de 3.500 professores temporários tiraram nota zero. A prova ocorreu em dezembro.
Outros Estados têm índices piores do que a média nacional (22%): Ceará, Maranhão, Piauí, Amazonas, Acre e Espírito Santo. Amapá, Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Norte não responderam à Folha. A Paraíba disse que, devido à mudança de governo, nesta semana, não conseguiria informar a tempo o número de temporários.
O excesso de temporários impede as escolas de constituírem equipes estáveis, com projetos de longo prazo, diz Romualdo Portela, professor da Faculdade de Educação da USP. Para a qualidade de ensino, diz, "é muito ruim". "E é também um professor estressado", prejudicado, segundo ele, pela falta de estabilidade.
O presidente da CNTE (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação), Roberto Leão, afirma que o ideal são os concursos públicos. Temporários, só "para emergências". "Isso não pode ser política estadual, como ocorre em SP, uma verdadeira aberração."
A seleção de temporários nem sempre é precedida de prova. Em Goiás, Mato Grosso, Sergipe e Tocantins, a secretaria estadual ou as escolas escolhem, após análise de currículo.
Em casos mais drásticos, em que não há professores suficientes para preencher as vagas, universitários são aceitos, como em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul.
A insuficiência de candidatos qualificados é justamente uma das razões que explicam a contratação precária. Outra é a não-realização de concurso por período longo ou a cessão de docentes para outras funções.
Em São Paulo, disse a Secretaria da Educação, 66 mil cargos de professor efetivo são preenchidos por temporários porque 36 mil deles estão em cargos como coordenação pedagógica e 30 mil em licença.
Há também situações em que a distribuição territorial da população pode influenciar. Segundo a Secretaria de Educação de Mato Grosso, há municípios com apenas uma escola estadual -e os professores não conseguem preencher todas as horas previstas em um concurso. Como as cidades são distantes, o professor é chamado para contratos temporários de menos horas de duração.
O Rio de Janeiro é a exceção -mantém temporários só em educação indígena. Segundo a Secretaria de Educação, se é preciso substituir alguém, professores concursados são chamados e ganham hora-extra.
(ANGELA PINHO, JOHANNA NUBLAT, LARISSA GUIMARÃES E RENATA BAPTISTA)

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

CONTARDO CALLIGARIS: Trotes de calouros

CONTARDO CALLIGARIS

Trotes de calouros

A universidade é um clube de "elite", cujos membros podem tratar a todos como bichos
Fonte: Folha de São Paulo

NA MINHA terceira viagem ao Brasil, num verão dos anos 1980, vi pela primeira vez, nos faróis, jovens de cabeça raspada e tinta espalhada pelo corpo e pelo rosto. Pensei que fizessem parte de um bloco carnavalesco. Não imaginei que a prática do trote de calouros ainda existisse no país.
Na Europa, no passado, essa prática tinha sido brutal: na Itália, os alunos "anciões" se reuniam em confrarias e vendiam proteção aos calouros, que compravam salvo-condutos para poder circular livremente. Alguns estudantes permaneciam na universidade para sempre, sem formar-se, e ganhavam a vida explorando os novatos. Esse sistema acabou bem quando eu entrei na faculdade; dele, na Milão de 1966, só sobravam restos miseráveis: dois repetentes crônicos mendigando cigarros pelos corredores da universidade. Depois de 1968, até esses restos sumiram. Por que o costume do trote de calouros cessou naqueles anos?
O trote é um rito de iniciação, pelo qual os calouros seriam aceitos na comunidade: "Somos da mesma turma: fomos todos calouros um dia". Eu preferiria que a turma universitária tivesse outra consistência, mas a gente sabe que os adolescentes almejam sentir-se integrados -a qualquer custo ou quase. Seja como for, em regra, quem está sendo iniciado sente na carne os efeitos do poder que ele mesmo será autorizado a exercer depois de sua iniciação.
Mas cuidado, no trote iniciático, não se trata apenas de forçar o calouro a experimentar os efeitos do poder que ele terá sobre os futuros novatos. O que mais importa, na iniciação, é que o calouro sinta na pele os efeitos do poder que o grupo exerce ou pretende exercer sobre todo o resto da sociedade.
Um exemplo. Imaginemos que, para entrar numa máfia, eu seja amputado de um dedo. Os candidatos futuros também serão amputados (por mim ou por eles mesmos), mas, antes de mais nada, minha iniciação deve me lembrar que a máfia, na qual estou entrando, arroga-se o direito de amputar os bens e a carne de todos os que não fazem parte da "família". Como isso se aplica ao caso dos calouros?
Pois é, no Brasil de hoje, a universidade ainda é um clube de "elite", cujos membros podem se sentir autorizados a tratar não só os calouros, mas os comuns mortais como bichos. Estou exagerando? Talvez, mas não há muitos países em que existe uma cadeia especial para universitários e outra para pés-rapados.
E, se isso não bastar, mais dois lembretes. Em dezembro passado, um grupo de alunos de medicina da Universidade Estadual de Londrina festejaram sua formatura iminente com bebedeira, rojões e sprays de espuma -isso, numa enfermaria cheia de pacientes (alguns em estado grave). Eles comemoraram seu ingresso na profissão médica esbanjando seu poder de zombar dos que lhes confiariam sua vida.
No começo deste mês, em Campinas, estudantes de direito, que estavam atormentando calouros, estenderam o tratamento a um morador de rua que foi raspado, pintado e batido. Eles expressaram sua alegria de futuros juristas abusando dos direitos básicos de um desamparado. Talvez o trote de calouros sempre tenha sido isto, mundo afora: a iniciação numa "elite" que se define pela brutalidade de seu privilégio e que transmite a seus novatos a arte de brutalizar os zé-povinhos.
A partir de 68, na Europa, por efeito da contracultura, ser universitário não foi mais um passaporte para o privilégio, mas uma responsabilidade social. Em 92, estudantes brasileiros pintaram a cara por uma razão diferente do trote: teria sido uma boa ocasião para eles deixarem de ver a celebração do duvidoso privilégio de esculachar os moradores do andar (social) de baixo. Não aconteceu: a selvageria da divisão social continuou falando mais alto.
Na Folha de domingo passado, José Goldenberg, ex-reitor da USP, observou que as instituições universitárias não podem intervir em acontecimentos que, em geral, são externos à faculdade. Discordo.
Não são tão "externos" assim: o trote compromete o próprio sentido do ensino, alimentando uma visão doentia do privilégio conferido pelo fato de frequentar uma universidade. A universidade e as próprias profissões às quais ela dá acesso deveriam, no mínimo, impor aos responsáveis pelos trotes uma formação suplementar: anos de serviço social e de cursos básicos de ética. Afinal, queremos uma "elite" que se ufana de seu privilégio e de seus abusos ou uma elite sem aspas?

Professora é afastada por colar boca de aluno com fita adesiva

Professora é afastada por colar boca de aluno com fita adesiva

DA AGÊNCIA FOLHA, EM MANAUS

Um professora da rede municipal de Manaus (AM) foi afastada por colar fita adesiva na boca de duas crianças, de seis e sete anos, como castigo em sala de aula.
Júlia do Carmo Oliveira da Silva, 43, ficará fora da rede por tempo indeterminado. Contatada pela Folha, ela disse que não tinha nada a comentar.
A Secretaria da Educação de Manaus classificou o caso, ocorrido na escola Padre João D'vries na segunda, como agressão e maus-tratos.
Em sua defesa, a professora disse à secretaria que usou a fita adesiva como uma "brincadeira". "Foi um gesto impulsivo", disse.

Precários: a cura pelo concurso

Precários: a cura pelo concurso

ELIZABETH BALBACHEVSKY

Fonte: Folha de São Paulo

É preciso que a seleção do professor volte a ser uma prerrogativa da escola, o que implica descentralização e vínculos permanentes

A PROVA classificatória para professores "precários" do ensino público paulista suscitou um debate que parte, a meu ver, de uma perspectiva errada. Propõe-se como cura para todos os males o concurso público, como se a simples efetivação dos professores fosse capaz de assegurar a qualidade do ensino.
Se dessa forma fosse, todo o ensino privado teria a mesma reputação de qualidade que o ensino público tem, uma vez que todos os seus professores são, em princípio, precários.
O número de efetivos e estáveis em sala de aula (130 mil) esconde o enorme número de professores efetivos que hoje desempenham funções fora da sala de aula.
Abrir concurso para 75 mil novos cargos de professor não significa, portanto, prescindir de "temporários", pois a inércia, por si só, irá garantir que uma parcela significativa dos novos "efetivos" saia do ambiente da sala de aula por meio da ampla gama de alternativas que a legislação estatutária lhes garante.
Afinal, um dos paradoxos da "carreira" aberta para o professor efetivo da rede pública são precisamente as oportunidades (e incentivos) para o professor se afastar da sua atividade-fim, em contraste com os poucos e precários instrumentos para premiar seu bom desempenho em sala de aula.
A prova da Secretaria da Educação não tinha como objetivo resolver o problema da efetivação, mas sim o de cumprir sua obrigação constitucional de garantir a todos um ensino de qualidade.
Infelizmente o debate se cingiu a uma oposição entre um Estado "mau patrão" e os direitos estatutários e trabalhistas reivindicados pelos sindicatos. No outro prato da balança, entretanto, está o direito constitucional à educação, um direito difuso das famílias paulistas, que não encontrou seu porta-voz no debate.
Tem razão uma educadora da Universidade de São Paulo quando lamenta, em entrevista à Folha (13/2/ 2009), o desaparecimento da figura do professor "da" escola estadual.
A inexistência do vínculo do professor com a escola -seja ele estável, seja precário- deve-se ao fato de que não é na escola, mas sim no Estado, que o professor encontra tudo o que é relevante para sua vida funcional e acadêmica.
A escola estadual não tem nenhuma autoridade ou poder sobre o recrutamento, a carreira, as remoções, as licenças, os afastamentos, tampouco sobre o desempenho dos professores. A "atribuição" centralizada das turmas, por meio de regras burocráticas e impessoais, tal como era a praxe, é uma aberração, uma vez que ela amplia a rotatividade dos docentes, retira do professor quaisquer vín- culos com a escola e, ao mesmo tempo, retira da escola qualquer instrumento de pressão por desempenho ou assiduidade.
Reduzir o problema do desempenho do professorado à questão de seu regime empregatício tem, como corolário, que escolher a escola é uma prerrogativa do professor, ao contrário do que ocorre no resto da civilização, onde escolher o professor é uma prerrogativa essencial da escola.
Para inverter esse processo perverso, é preciso, primeiro, que o recrutamento do professor volte a ser uma prerrogativa da escola, o que implica processos seletivos descentralizados e, em segundo lugar, que o vínculo com a escola seja em princípio permanente e a remoção seja a exce- ção, tendo a escola que cede e a que recebe a última palavra.
Finalmente, essa escola precisa ter seu desempenho aferido e avaliado em processos transparentes que possam ser acompanhados pela sociedade (e não apenas por seus pares). Somente dessa maneira poderemos ter de volta "os professores da escola pública", e a escola pública poderá voltar a ser uma instituição com vida própria -e não apenas um lugar onde se aglomeram provisoriamente estudantes e professores.
Se existe a disposição do governo do Estado para criar 75 mil novos cargos de professor, seria uma insensatez usar a oportunidade proporcionada pelo conflito provocado pela avaliação dos temporários para simplesmente reproduzir todos os vícios do atual sistema. Uma nova carreira docente, com um novo tipo de vínculo com o ensino e com a escola, tendo o direito dos alunos e das famílias como referência de legitimidade, está ao alcance da mão.

ELIZABETH BALBACHEVSKY , 50, socióloga, doutora em ciência política pela Universidade de São Paulo, é professora associada do Departamento de Ciência Política da USP e pesquisadora sênior do Nupps-USP (Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas). É fellow do mestrado em ensino superior da Universidade de Tampere (Finlândia), com bolsa Erasmus Mundi da União Europeia.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Estado põe aluno em puxadinho de madeira

Estado põe aluno em puxadinho de madeira

Para acabar com o "turno da fome", governo José Serra improvisa sala de aula em quadra no Jardim Ângela, zona sul de SP


504 alunos serão alojados nas seis salas; aulas de educação física terão de ser ministradas em um pátio interno da escola

Fotos Marlene Bergamo/Folha Imagem

Funcionários trabalham em uma das salas de madeira improvisadas dentro da quadra esportiva

LAURA CAPRIGLIONE
DA REPORTAGEM LOCAL
Fonte: Folha de São Paulo

Os alunos da Escola Estadual Professora Eulália Silva, no Jardim Ângela, zona sul de São Paulo, começaram as aulas com uma novidade. Onde havia a quadra de esportes, coberta há cerca de dois anos, os gols e as tabelas de basquete, a gestão José Serra (PSDB) improvisou seis salas de aula feitas de madeirite, aquelas folhas de madeira usadas para cercar obras.
As aulas de educação física, a partir de agora, serão ministradas em um pátio interno da escola, inadequado à prática de esportes de quadra -o pé direito é baixo e a área é pequena.
Ontem, as salas de madeirite não estavam prontas. Operários pintavam as paredes e fixavam as telhas de brasilite. O mobiliário escolar continuava empilhado. Não havia lousas.
Segundo a diretora Tânia Lucia dos Santos Escaler, 44, tudo deverá estar pronto hoje, quando devem começar as aulas dos 504 alunos de 1ª a 4ª séries, que serão alojados no "puxadinho".
A construção de alvenaria da escola tem 30 anos. Dispõe de 12 salas de aula. Mas o número é insuficiente para os 2.000 alunos dos ensinos fundamental e médio (há ainda uma classe para deficientes auditivos).

Seis por meia dúzia
Para acomodar todo mundo, o Eulália sempre teve três turnos diurnos (7h-11h, 11h-15h, 15h-19h), em vez dos clássicos turnos da manhã e da tarde.
Como o tempo de permanência dos estudantes na escola fosse pequeno durante a semana, obrigavam-se professores e alunos a também ter aulas aos sábados. "Nós não estamos trocando seis por meia dúzia", diz a diretora. De fato. Troca-se meia dúzia de dias de aula por cinco, com duração maior (7h-12h e 13h-18h). Com isso, acaba o chamado "turno da fome" -das 11h às 15h.
Segundo a diretora, as novas classes permitirão atender à reivindicação dos professores, que assim economizarão tempo e dinheiro de transporte.
Pais e alunos não ficaram tão animados. No auge do programa Escola da Família, ao qual o Eulália aderiu com entusiasmo em 2003, abrindo suas instalações para atividades extra-classe nos finais de semana, um dos pontos fortes, dizia-se, era o "efeito psicológico" de franquear a quadra a alunos que antes eram obrigados a pular o muro às escondidas para bater uma bolinha.
E agora? "A comunidade tem uma enorme capacidade de adaptação. Encontrará outros lugares para a prática desportiva", diz a diretora, para a qual as aulas de educação física também não serão afetadas. "É só mudar as atividades."
A engenheira Maria Célia Ribeiro Sapucaí, 58, diretora do Sindicato dos Engenheiros do Estado de São Paulo, diz que um ponto crítico das novas salas pode ser o isolamento acústico, já que os ambientes serão usados por turmas em geral barulhentas (cerca de 30 meninos com idades entre 7 e 10 anos).
No governo Luiz Antonio Fleury Filho (1991-1995), na zona leste de São Paulo, construiu-se a Escola Estadual Cohab Carrãozinho com placas de madeira. Era para ser provisório. Durou 10 anos. Na época, um garoto dizia: "Gosto das aulas de português. Só que, quando a professora faz as leituras, a gente não consegue ouvir tudo nem consegue fazer as lições. O barulho é muito grande".
A diretora do Eulália não se intimida com o precedente: "Eu não crio problema antes de ele existir".

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Piores faculdades crescem mais que a média

FÁBIO TAKAHASHI
Folha de São Paulo
ANGELA PINHO
da Folha de S.Paulo, em Brasília

As universidades consideradas piores pelo próprio Ministério da Educação cresceram mais que a média do setor em número de alunos entre 2006 e 2007, de acordo com o novo Censo da Educação Superior, divulgado anteontem.

O sistema como um todo cresceu 4,5% no período --passou de 4,6 milhões para 4,8 milhões. Já as 454 instituições que receberam as mais baixas notas (1 e 2) do MEC aumentaram suas matrículas em 7,3% --de 548 mil para 588 mil. Com isso, 12% dos universitários do país estudam em escolas consideradas ruins. A nota é dada pelo IGC (Índice Geral de Cursos) --que varia de 1 a 5-- e leva em conta prova feita pelos alunos e critérios como titulação de professores.

Presidente da Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação, Paulo Barone diz ser "extremamente preocupante" que cursos mal avaliados há anos cresçam sem melhorar a qualidade. Ele ressalta, porém, que isso não pode servir de motivo para que a ampliação de vagas pare. "O MEC tem que ser duro com as instituições mal avaliadas, não para inibir a expansão, mas para melhorar a qualidade, que hoje deixa muito a desejar", diz. Barone cita a redução de gastos com docentes, livros e laboratórios como causas da falta de qualidade.

O consultor em ensino superior Raulino Tramontin afirma que a situação tende a se agravar. "Muitas das pequenas escolas estão morrendo e sendo compradas por grandes grupos. Para terem poder aquisitivo e reduzir custos, cortam mensalidades. E não dá para ter excelência com baixo custo", diz. "O governo deveria ter mais cautela na política de expansão, principalmente em locais onde o número de cursos está saturado e nem há docentes qualificados em número suficiente."

Nota 1 e 2

Entre as escolas com notas 1 e 2, as que mais cresceram foram a Faculdade Maurício de Nassau (PE), a Faculdade Comunitária de Campinas (SP) e o Centro Universitário Sant'Anna (SP). As três ampliaram em cerca de 3.000 o número de matrículas. Cresceram, respectivamente, 78%, 68% e 48%. As duas últimas obtiveram nota 2 no IGC. A Maurício Nassau, que foi a que mais cresceu, teve média 1 (a mais baixa).

Para estipular uma nota para a instituição, o MEC avalia a qualidade dos cursos de graduação (com base no Enade, questionários socioeconômicos e outros fatores) e de pós-graduação (nota da Capes). O indicador é utilizado pelos fiscais do ministério que visitam as instituições periodicamente para avaliar se elas têm condição de abrir cursos e se as vagas que já são oferecidas podem seguir funcionando.

A Folha tabulou os dados de evolução de matrículas a partir dos censos 2006 e 2007, feitos pelo Inep (instituto de estudos e pesquisas do MEC). Das 454 escolas com os piores desempenhos, 436 são da rede privada (96%). Outras 16 (3,5%) são municipais. Há ainda uma federal e uma estadual. São Paulo é o Estado que mais concentra essas instituições (25%), seguido de Rio de Janeiro, Paraná, e Minas Gerais (7% cada um).

Fonte Folha Online de 04/02/09

Promotoria investiga fraude na merenda em São Paulo

O Ministério Público Estadual investiga a existência de conluio entre empresas da merenda escolar para fraudar licitação feita pela Prefeitura de São Paulo em maio de 2007, na gestão Gilberto Kassab (DEM).

As prestadoras do serviço terceirizado têm recebido do município, desde então, mais de R$ 200 milhões por ano.

A investigação sobre formação de cartel, lavagem de dinheiro e corrupção de agentes públicos se estende a pelo menos outros 13 municípios, envolvendo as mesmas empresas, e abrange também a má qualidade da alimentação fornecida aos alunos da rede paulistana. Três depoimentos oficiais e uma gravação recebida pela Promotoria falam de um acerto entre empresários às vésperas do pregão realizado há dois anos durante a gestão Kassab.

Num depoimento, o advogado J. (cujo nome é mantido em sigilo a pedido da Promotoria), que foi ligado ao grupo SP Alimentação, diz que a combinação envolveu no mínimo três empresas para a distribuição de seis lotes em disputa --além da SP Alimentação, cita a Nutriplus e a Geraldo J. Coan. Ele diz ter tido acesso a gravação que comprova os acertos --e que cita outras empresas.

A escuta foi anexada ao processo, mas não deve ser utilizada como prova pelo Ministério Público devido à avaliação de que ela é clandestina -teria sido feita por um então colaborador de uma das empresas.

A Folha também teve acesso ao grampo --do qual não tem comprovação de autenticidade--, no qual os interlocutores se identificam como representantes de algumas empresas de merenda escolar e conversam sobre preços e combinações para forjar a disputa no pregão, cujas propostas seriam apresentadas no dia seguinte. Num trecho da escuta, um homem que se identifica como Eloizo diz a outro de nome Magno estar reunido num hotel com representantes das principais empresas de merenda para fazer a divisão. No total, nove participaram da concorrência, das quais seis venceram e prestam serviços hoje. Nas conversas, eles discutem a área em que vão ganhar --no caso, a de número 1-- e outra na qual tem de entrar só para fazer a cobertura (jargão para entregar proposta só para forjar a disputa) --no caso, a de número 2-- para a empresa Sistal.

O nome do presidente da SP Alimentação é Eloizo Gomes Afonso Duraes. O do vice, Olesio Magno de Carvalho. O Ministério Público suspeita que sejam os mesmos citados na gravação, mas a Folha desconhece que tenha sido feita perícia para comprovar isso.

Na gravação, os interlocutores falam dos preços que devem apresentar (incluindo a proposta inicial de R$ 6,066 milhões em uma das áreas, valor recomendado por um homem que se apresenta como "Tiago da empresa Coan") e sobre novo encontro no dia seguinte, no hotel Othon da rua Libero Badaró, a 300 metros do endereço do pregão, para os últimos acertos "porque ninguém confia em ninguém".

As combinações que constam da gravação são confirmadas pelo resultado da licitação. Cada um dos seis lotes ofertados pela prefeitura foi vencido por um grupo. Mas, na prática, quase não houve disputa. No começo do pregão, as empresas entregaram suas propostas para diversas áreas. Mas, no decorrer do processo, abriram mão da disputa e cada uma só aceitou nova oferta no lote em que acabou vencendo.

Relatos colhidos a partir do início de 2008 pela Promotoria falam de uma rede de acertos entre empresários que fazem a merenda terceirizada em várias cidades do país. O advogado J., que foi representante em licitações de uma empresa ligada à SP Alimentação, declarou à Promotoria que, além do "direcionamento" em licitações, tomou conhecimento de propinas de R$ 50 mil "a agentes públicos".

O promotor criminal Arthur Lemos diz que há outros dados que avalizam a tese de conluio da gravação. "Colhemos depoimentos de pessoas que confirmam isso, que já estiveram envolvidas no esquema, que participaram da licitação."

Outro lado

Parte das empresas que prestam serviços terceirizados da merenda escolar em São Paulo negou qualquer envolvimento em conluio ou irregularidades e outra parte não se manifestou.

A SP Alimentação, diretamente citada em depoimentos e na gravação, não quis falar.

Olésio Magno de Carvalho chegou a marcar encontro com a reportagem para ouvir as gravações nas quais seu nome aparece, mas desmarcou após consulta a advogados da empresa. Ele disse que não poderia falar de algo de que não tomou conhecimento oficial. Afirmou ainda que a investigação no Ministério Público Estadual corria sob segredo de Justiça --pedido que, diz a Promotoria, foi suspenso nos últimos dias.

A Nutriplus divulgou nota dizendo que "não tem conhecimento de qualquer investigação" e que "nunca a empresa foi citada" e "nunca prestou depoimentos ou esclarecimentos a respeito". A empresa disse que "considera absurdas" as alegações da investigação informadas a ela pela reportagem. Segundo a Nutriplus, "não há a menor possibilidade de ocorrer uma combinação de preços entre as empresas porque os valores cobrados são diferentes". Diz ter um preço 14% abaixo do maior na capital paulista. A Nutriplus também disse que segue "rigorosamente" todos os preceitos determinados pelo Programa Nacional de Alimentação Escolar, que determina porções, frequência e componentes da merenda. Diz ser certificada e " alinhada com os padrões internacionais". Afirma que as denúncias feitas em 2007 sobre redução na quantidade de merenda foram investigadas e a CPI da Câmara "inocentou a empresa". A Nutriplus acrescenta que "denúncias desse tipo [...] têm origem entre os atacadistas que operam no mesmo setor" --e que são contra a terceirização da merenda escolar. "Como a Prefeitura de São Paulo já anunciou que pretende terceirizar em todas as escolas da sua rede, esses atacadistas estão procurando razões para interferir no processo e continuar operando", disse.

A empresa Convida Alimentação informou que "por não ter acesso aos detalhes do que já foi apurado" e por não "ter sido comunicada oficialmente", prefere não emitir comentário. Afirma que "é uma empresa zelosa com a qualidade e a conservação dos produtos" e que "cumpre com todas as obrigações contratuais exigidas".

Geraldo J Coan, Terra Azul e Sistal foram contatadas a partir do meio da tarde, mas não responderam. A Folha não conseguiu contato com Serra Leste, SHA e Comercial Milano.

Fonte Folha Online de 05/02/09